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segunda-feira, 2 de março de 2009

Análise da polêmica no PI 02-03-2009

Audiência evidenciou confronto de extremos do Judiciário local

De um lado os clamores dos cidadãos por Justiça; de outro, os exageros que incluem até agressões

Dois extremos se confrontarem na semana que passou durante audiência pública promovida pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no auditório do Tribunal de Justiça do Piauí. Num dos lados, se poderia retratar pela afirmação do escrito francês Louis-Antoine de Saint-Just, que viveu no século XVIII. Ele dizia: "É lamentável que tenhamos de pedir Justiça." Noutro, é a vez de Cícero, tribuno e filósofo do Império Romano, que afirmava: "Justiça extrema é injustiça."

O Conselho foi criado em dezembro de 2004. Tem como objetivo auxiliar o Poder Judiciário a zelar por sua autonomia, definir planejamentos e estabelecer metas para uma prestação jurisdicional eficiente. Dentre outras atribuições, deve receber reclamações contra membros ou órgãos do Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços que atuem por delegação do poder público ou oficializados.

Foi isso o que aconteceu nos dias 26 e 27 de fevereiro em Teresina. O auditório do TJ-PI se transformou numa autêntica tribuna popular, em que cidadãos de todas as esferas por ali passaram e se pronunciaram sobre mazelas que dizem sofrer, provocadas, principalmente, conforme os próprios, pela negligência ou corrupção de juízes e desembargadores. Num primeiro momento, as reclamações chocaram pela gravidade e ineditismo. Nunca na história da democracia brasileira, e piauiense, integrantes do Judiciário haviam sido alvo de contestações públicas.

Houve reclamações posteriores, como não poderia deixar de ser, e os magistrados alegarem ter sido vítimas de ataques infundados. Tudo o que fizeram, de acordo com o que afirmaram em notas oficiais ou entrevistas à imprensa, foi pelo interesse e cumprimento da Justiça. Os cidadãos haviam cometido exageros em seus questionamentos. A AMAPI (Associação dos Magistrados do Piauí) contestou o fato de um dos seus membros ter sido chamado de "bandido". Mas o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilson Dipp, corregedor nacional de Justiça, afirmou: "O principal objetivo da inspeção no Estado é o aprimoramento do judiciário. Cidadão sem justiça é cidadão incompleto e Justiça sem atender ao cidadão é inoperante."

SEDE DE JUSTIÇA
Desde as primeiras horas da quinta-feira (26) era grande a fila de pessoas em frente ao Tribunal de Justiça. Quem visse, mesmo sem saber o que ali aconteceria, já podia imaginar que se tratava de algo grandioso. Os mais informados pensariam, com certeza, que "o piauiense tem sede de justiça." Foi isso que levou, por exemplo, a proprietária rural Gregorina Craveiro de Negreiros ao parlatório para denunciar que está sendo vítima de negligência do Juizado de Direito em caso de indenização de área, de sua propriedade, ocupada pela empresa Alusa Engenharia S/A, na construção do Linhão Teresina/Fortaleza (CE).

Segundo ela, o caso se arrasta há vários anos na Justiça sem que o Juizado daquela comarca tenha tomado qualquer atitude no sentido de garantir os direitos dos proprietários. "As terras foram ocupadas sem a devida autorização dos seus anos. Nós, proprietários, recorremos à Justiça e gostaríamos de ver os nossos direitos respeitados. E o que faz o juiz da comarca, Celso Barros Coelho Filho? Simplesmente senta em cima do processo. Não dá a mínima para os nossos reclamos."

Houve casos de maior repercussão, como a denúncia apresentada pelo advogado e empresário Danilo Damásio contra o desembargador José de Ribamar Oliveira. Segundo ele, o magistrado estaria praticando crime de prevaricação. De acordo com o artigo 319 do Código Penal, é quando o servidor público retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou o pratica contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Conforme Damásio, Oliveira estaria deixando de cumprir a lei ao suspender leilão de prédio pertencente à empresa Rio Poty S/A para pagamento de uma dívida de R$ 3,5 milhão devida pelo empresário Cláudio Tajra ao seu pai, também empresário Rufino Damásio.

"Em minhas peregrinações, recorri até ao secretário de Segurança, Robert Rios, porque tomei conhecimento, aqui e ali, que ele é o 'senhor das gravações' e teria estes desembargadores todos 'amarrados'. Mas qual foi a minha surpresa. Nem ele conseguiu demover o mencionado magistrado dos seus intentos malignos." José de Ribamar Oliveira, logicamente, não estava presente para assistir às críticas de que foi alvo. Porém não perdeu a oportunidade em apresentar sua resposta aos meios de comunicação dizendo que as ponderações de Damásio não fazem sentido e que o mesmo estaria apenas querendo forçá-lo a tomar uma decisão da qual ele não tem nenhum convencimento.

UMA CAUSA DE R$ 20 MILHÕES
A presidente do SINTE-PI (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Piauí), professora Odeni de Jesus Silva, também protagonizou episódio de larga repercussão ao acusar os desembargadores Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho e João Batista Machado (já aposentado), ambos ex-presidentes do Tribunal de Justiça do estado, de favorecer os advogados Marcus Vinícius Furtado Coelho, Luciano Paes Landim, atual secretário estadual de Transportes, e outros, numa ação em que reclamam o pagamento de R$ 20 milhões do Sindicato a título de honorários.

"Todos os pleitos dos advogados em questão são prontamente atendidos, ao passo em que nossa defesa é sempre colocada de lado e, por último, o desembargador Brandão considerou que o Sindicato não é parte legítima para defender os professores. Se não é o Sindicato, então quem seria?", questiona. Os advogados querem que seja descontado 15% do salário de cada um dos 35 mil servidores da educação piauiense durante 12 meses. "Formou-se um consórcio criminoso para tentar extorquir o magistério piauiense. Mas iremos até as últimas consequência em busca de Justiça."

O advogado Marcus Vinícius reagiu. Ele disse que o sindicato insiste em fazer o calote e que a presidente do SINTE-PI utiliza essa questão para se promover politicamente. “Trata-se, também, de uma tentativa de intimidar o poder judiciário." Coelho finalizou dizendo que representa um grupo de outros sete advogados, que tem muito orgulho por isso, por defender sua classe, e que não vai desistir da ação.

O corregedor nacional ficou estarrecido com a quantidade de denúncias e decretou que a Justiça do estado ficará, desde agora, sob permanente inspeção. Segundo ele, os problemas do Judiciário piauiense não se tratam apenas de questões estruturais. É também uma questão de negligência ou desajuste entre o que a lei exige e a prática efetiva do magistrado. Ressaltou, contudo, que a inspeção não vai resolver todos os problemas. "A Corregedoria tem força apenas para minorar a situação. É fundamental o comprometimento de todos os envolvidos no funcionamento da justiça. Que os advogados tenham coragem de expor suas dificuldades assim como os cidadãos o fazem neste momento." Ele também criticou o Ministério Público. "O Ministério Público não se faz presente ou se o faz é esporadicamente."

GRILAGEM DE TERRAS
Não há grilagem de terras sem participação de cartórios. A denúncia foi apresentada ao CNJ na sexta-feira pela manhã. Cartórios em todo o Piauí estariam favorecendo grandes grupos empresariais de várias regiões do país a se apossar de terras de pescadores, pequenos agricultores e médios produtores rurais. Eles contaram aos integrantes do Conselho de como são perseguidos e ameaçados diante dos protestos contra alterações nas dimensões de propriedades herdadas e outras irregularidades. Uma das histórias foi contada pelo pescador Francisco José de Oliveira Araújo. Ele ingressou com reclamação disciplinar contra cartório de Parnaíba informando que empresa de mineração está transferindo direitos de ocupação de terras em Camurupim de Baixo, em Luiz Correia, e incorporou um terreno e benfeitorias de sua propriedade na localidade Carnaubinha, no mesmo município. "Os cartórios forjam documentação ao arrepio da lei para atender às pretensões ilegais da mencionada empresa." O terreno de 154 hectares pertence à sua família há 40 anos.

O contador Fernando de Melo Sousa afirma que as terras sofrem investidas desses grupos empresariais por conta da perspectiva de construção de grandes empreendimentos hoteleiros. A advogada Socorro Sales, que representa os interesses de Francisco José, afirma que os interesses de seu cliente estão sendo lesados de forma absurda. "Queremos correção de rumos. Queremos legalidade."

MAR DE PROBLEMAS
Ficou constatado que o Judiciário piauiense está atolado num mar de problemas. Novos e antigos. Dentre os antigos, pode-se destacar casos de assassinato, como o que envolve o ex-prefeito de Aroazes, Manoel Portela, morto em 11 de dezembro de 1996. Até hoje o crime não foi a julgamento, embora o autor esteja preso e o mentor seja reconhecido pelas autoridades. O assessor parlamentar Manoel Portela Filho lamentou a morosidade e lembrou que na época o julgamento não ocorreu por causa do envolvimento do juiz da 1ª Vara Criminal, Orlando Martins Pinheiro, e do promotor de Justiça João Benigno Filho, com o crime organizado, liderado pelo ex-coronel José Viriato Correia Lima e do qual faz parte o atual prefeito de Aroazes, Bernardone Vale, que seria o mentor intelectual do crime. Ele também citou os nomes dos desembargadores Augusto Falcão Lopes e José Soares Albuquerque.

"Eles foram afastados de suas funções por práticas nefastas que não me cabe aqui mencionar, mas que a Justiça e a sociedade piauiense conhecem muito bem. Por que até hoje a morte de meu pai não recebeu um tratamento digno?! É por isso que estou apelando, para que haja Justiça num ato covarde, contra um cidadão de bem, honrado e que significava uma reserva moral para sua família. Meu pai morreu duas vezes. Uma, quando foi fisicamente eliminado por esse malfeitor Cícero Godoy. A outra, quando o Judiciário do meu estado simplesmente colocou uma pedra em cima, como se não estivéssemos falando da vida de um ser humano."

EM DEFESA DA MAGISTRATURA
O presidente da AMAPI, desembargador Sebastião Ribeiro Martins, afirma que existem muitas irregularidades, mas que os magistrados não podem ser responsabilizados sozinhos por tudo de errado que acontece. Segundo ele, o orçamento do Judiciário é pequeno para suas necessidades, apenas cerca de R$ 235 milhões anuais, e a estrutura é antiga, data de pelo menos 30 anos passados. "A cidade cresceu. O estado cresceu. As demandas se modificaram. Porém, a estrutura do Judiciário permanece inalterada. Se na capital é assim, imagine então no interior, que é uma calamidade. Os juízes não contam nem mesmo com segurança diante das decisões polêmicas que muitas vezes são obrigados a adotar.”

No sábado (28), a AMAPI divulgou uma nota em que partiu na defesa dos magistrados. Disse que muitos foram agredidos pessoalmente. Tamanha agressão, de acordo com a nota, não se justifica perante o regime democrático e nem cumpre a finalidade do CNJ. Entre outras afirmações, a Associação diz: “Presenciamos, estupefatos, a agressão vulgar e banalizada, sem provas e sem qualquer direito de defesa dos juízes e desembargadores ofendidos, inclusive a agressão ao juiz Virgílio Madeira Martins Filho, chamado de ‘bandido’, quando este jamais praticou qualquer decisão no processo judicial a que se referiu o denunciante. Houve várias outras acusações infundadas.”

O presidente do STF e do CNJ, ministro Gilmar Mendes, tranquiliza os magistrados. “A inspeção realizada no judiciário do Piauí não tem caráter repressivo. Não se trata de uma medida repressiva e sancionatória, se trata de uma medida de verificação”, afirma. “Com esse trabalho que o CNJ vem realizando de levantamento contínuo nós podemos fazer um diagnóstico seguro sobre a justiça brasileira e estabelecer um diálogo com as autoridades judiciárias locais e ouvir os verdadeiros clientes do judiciário. Inicialmente é apenas uma forma de fazer a verificação in loco das condições de funcionamento da justiça e de seus aparelhos, além de verificar se é possível alterar métodos e formas de agir que possam lhe dar adequado funcionamento.”

Os denunciantes compareceram ao auditório do TJ-PI certos de que não sofreriam nenhuma represália por conta das denúncias apresentadas. O presidente do Tribunal, desembargador Raimundo Nonato da Costa Alencar, afirma, contudo, que não pode dar garantias aos exageros cometidos. “Todas as denúncias fundamentadas serão prontamente encaminhadas para uma solução. Mas os excessos, bem, todos aqueles os cometeram devem saber que poderão ser penalizados por isso.”

Alencar convoca um mutirão de Poderes para fazer alguma coisa pela melhoria das condições estruturais do Judiciário. Segundo ele, a situação de fóruns do interior é precária. Isso acontece por falta de recursos. “Os demais Poderes têm que se unir para ajudar na solução.”

ABALOS À CREDIBILIDADE
Não é de hoje que a Justiça piauiense sofre abalos à sua credibilidade. Muitos são os que contribuíram para isso, principalmente dentro do próprio Judiciário. Em 15 de dezembro de 2004, por exemplo, a Corte Especial do STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou, por 14 votos a três, o afastamento dos desembargadores José Soares Albuquerque e Augusto Falcão, do Tribunal de Justiça do Piauí, do juiz Samuel Mendes de Moraes e do promotor João Mendes Benigno Filho. Eles foram acusados de corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, retardamento de decisões judiciais, pressão sobre promotores de Justiça e episódios de favorecimentos. As investigações prosseguem. Eles permanecerão afastados até que todas as apurações tenham sido encerradas.

O afastamento foi conseqüência do recebimento, por nove votos a sete, da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra os dois desembargadores e Antônio de Pádua Ferreira Linhares, João Mendes Benigno Filho, Tiago de Melo Falcão, João Ulisses de Britto Azedo; Ingrid Soares de Albuquerque, Wesley Barbosa Soares de Albuquerque; Maria Rozely Brasileiro de Jesus dos Passos, Samuel Mendes de Moraes, Joaquim Matias Barbosa Melo, Francisco Bernadone da Costa Vale, Antônio dos Santos, Ruberval Isidro de Oliveira e Anderson Evelyn Soares Filho. De acordo com o STJ, dessa lista, que inclui um procurador e um promotor de Justiça, um juiz, um delegado de Polícia, uma advogada, quatro servidores públicos, dois empresáriose mais duas pessoas, apenas a filha do desembargador Soares Albuquerque, Ingrid Barbosa Soares Albuquerque, e o promotor Antonio de Padua Linhares tiveram as acusações afastadas.

RECEBIMENTO DE PROPINA
Ao apresentar seu voto, o relator do processo, ministro José Arnaldo da Fonseca, rejeitou a denúncia contra o procurador-geral de Justiça do Estado do Piauí, Antônio de Pádua Ferreira Linhares, e a filha do desembargador, a servidora pública Ingrid Soares de Albuquerque, por entender não haver nos autos sequer indícios da participação dos dois em qualquer das acusações. Com relação aos desembargadores, o ministro José Arnaldo da Fonseca sustentou haver, pelo menos em tese, indícios de envolvimento, pelo que recebeu a denúncia, embora a grande maioria dos ministros tenha entendido muito tênues as provas. O relator do processo definiu que o recebimento da denúncia não significa uma condenação prévia, mas a mera instauração do procedimento penal para apuração dos fatos e das circunstâncias.

A denúncia, feita pelo subprocurador-geral da República Eitel Santiago de Brito Pereira, afirma que o desembargador José Soares Albuquerque, presidente interino do TJ-PI à época, teria recebido dinheiro para manter no cargo o vice-prefeito da cidade de Jerumenha (a 304 km de Teresina), Anderson Evelyn Filho, que assumiu a prefeitura após o afastamento do prefeito Milton Carneiro de França, em 1999. Segundo a acusação, o desembargador Augusto Falcão Lopes, ex-presidente do TJ-PI, teria intermediado as negociações para garantir a impunidade do empresário e advogado Joaquim Matias Barbosa Melo. Uma das empresas de Melo, conforme a denúncia, possuía 13 autuações fiscais feitas pela Secretaria da Fazenda, cujos procedimentos administrativos teriam desaparecidos da repartição.

Afirma o MPF que o promotor João Mendes Benigno Filho e o servidor do TJ piauiense Tiago de Melo Falcão, cumprindo ordens do desembargador Augusto Falcão, atuaram para obstar as investigações desencadeadas para apurar crimes imputados ao empresário. Acusa também o promotor Benigno Filho de, enquanto tentava subornar um colega, ter garantido que, nos processos do interesse do desembargador Augusto Falcão, todos levavam alguma quantia.

PEDIDO NEGADO
Em 18 de dezembro de 2007, o STF negou um pedido de habeas corpus impetrado por Augusto Falcão Lopes, que pleiteava o arquivamento de ação penal que corre contra por corrupção passiva e tráfico de influência. O relator do habeas corpus foi o atual presidente do STF e do CNJ, ministro Gilmar Mendes. Ele argumentou que “não se tranca ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura crime em tese”. Mendes observou que, diante das acusações que pesam contra Augusto Falcão, a permanência dele no TJ-PI poderia motivar desconfiança da população em relação ao Judiciário.

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