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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

de: http://www.felipesantolia25.blogspot.com

QUANDO JESUS BATE À PORTA

Antes de ser prefeito eu tinha um programa bastante polêmico em uma rádio de minha cidade. Todos os dias, no horário do programa, a rua da emissora era fechada por populares que se comprimiam em multidão para ouvir-me e, ao final do programa, tentar um contato, dar um abraço, pegar em minha mão, me fazerem pedidos e darem sugestões...

Eu sempre saia muito cansado, pois durante três a quatro horas eu me duelava com os coronéis locais, denunciava a corrupção deles todos, promovia grandes campanhas de solidariedade em prol dos aflitos e mais humildes e atendia a dezenas de telefonemas com conteúdo os mais diversos.

Neste período (2.000 a 2004) respondi a 86 processos, fui preso quatro vezes pelo crime de combater a corrupção, fui barbaramente torturado e escapei de muitas tocaias e assassinatos...

Um dia (setembro de 2003) ao atravessar a multidão, muito cansado, e chegando já próximo a porta de meu carro, fui alcançado por uma jovem criança de 16 anos. Sua barriga enorme parecendo explodir anunciava, para muito em breve, o nascimento de uma criança...

Chorando copiosamente ela segurou firme minhas mãos e disse: "Felipe, pelo leite que mamou em sua mãe, me ajude em nome de Deus!"

Ouvi, ali mesmo, de pé na rua, sob o testemunho de dezenas de pessoas, seu drama pessoal. Juntou-se a um rapaz, pistoleiro desde cedo e com muitas mortes as quais lhe eram encomendadas nos estados do Maranhão e Pará.

Seu "homem", como ela dizia, estava preso na penitenciária de minha cidade, acusado de muitos crimes e sem grandes expectativas de liberdade. Sua filha iria nascer a qualquer momento, pois já havia atingido os nove meses de gestação. Era hóspede de um casebre abandonado, cujas portas eram esteiras velhas e em seu interior apenas uma rede e um tamborete recoberto por pele de bode.

Não sei o que houve comigo naquele momento, só me recordo de ter me lembrado, enquanto segurava as mãos daquela criança gerando outra criança, da busca desesperada de José e Maria, pelas hospedagens em Nazaré, de um abrigo seguro para o nascimento de Cristo - o Salvador.

Fui tomado por uma sensação esquisita e, de súbido, decidi reabrir meu programa (o que nunca havia feito até ali) e colocar para a cidade inteira o drama daquela menina. Disse ao público que sentia que naquele momento poderia ser Jesus batendo em nossas portas a pedir abrigo, empenho, solidariedade...

Foi impressionante, uma das coisas mais belas que já vivi. Em questão de minutos começou a chegar no prédio doações vindas de todos os bairros da cidade. Berço, roupas, redes, dinheiro, alimentos, brinquedos, móveis, portas novas para a casa, alguns médicos se prontificaram a cuidar do parto, uma senhora lhe propos emprego...

**********

Nove meses depois deste ocorrido estava eu novamente no prédio da emissora, desta vez faltando poucos minutos para começar o meu programa.

"Capim", apelido de um segurança que trabalhava para mim naquela época, abriu a porta da sala onde estava e travamos o seguinte diálogo:

_ Santolia, tem um cara ai fora insistindo muito para falar com você.

_ Oh, Capim. Peça para ele ir a noite na minha casa. Vou começar o programa agora e ainda estou me organizando.

_ Acho melhor o senhor atendê-lo. Conheço o rapaz, ele é peça ruim, o senhor já tem muitos problemas, pode acumular mais um...

_ Bom, se você pensa assim, pois mande o rapaz entrar. Mas diga que disponho de pouco tempo.

Assim que entrou e ficamos a sós, a pedido do próprio rapaz e concentido por mim, passei a analisá-lo. Era um jovem muito maltratado pela vida, de corpo raquítico e no sorriso apenas dois dentes marcando 15 para as 3.

Pedi que ele sentasse à frente de minha mesa, o que o fez apoiando seus dois cotovelos sobre ela e baixando a cabeça por entre os braços.

_ Pois não. O que eu posso fazer para ajudar ao amigo?

Ele levantou a cabeça e pude perceber uma lágrima que escorreu em seu rosto. Olhando-me com cara de choro, disse-me sem arrodeios:

_ Eu estou aqui por que fui contratado para te assassinar, doutor!

Meu Deus! Fiquei pasmo com aquilo, realmente sem reação. Faltou-me o chão e passei a ter dificuldade para captar oxigênio no ar... Entretanto, por mais contraditório que possa parecer, experimentei em seguida uma sensação de extrema tranquilidade, ao que de imediato desabotoei dois ou três botões de minha camisa, a abri mostrando o peito e disse em tom bastante paternal:

_ Meu querido amigo, pode atirar, faça seu trabalho, ganhe seu dinheiro. Mas não se esqueça nunca de que você estará assassinando o único homem que apareceu nesta cidade para falar, lutar e defender você...

Ao ouvir o que disse ele mergulhou novamente a cabeça por entre os braços e quando a suspendeu de novo estava em lágrimas e soluçando sem parar... Disse-me com a voz embargada as palavras que jamais me sairão da memória:

_ Não doutor. Eu vim aqui para lhe dizer que fui sim contratado para lhe matar. Mas eu não aceitei o trabalho. Não aceitei por que não posso matar o homem que deu vida a minha filha.

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Neste dia Jesus bateu à minha porta e recebi graças por abrí-la com amor e abnegação.

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Uma boa semana a todos!

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